O Aprendiz dos Olhos
Fui deserto, não me escondi no pó.
Deixei as mãos tombadas ao vento
para escrever a palavra sagrada dos encontros.
Decifro, agora, os segredos que um anjo me conta:
códigos em cristais que sopra das nuvens
e que recolho em tatuagens no papel.
O fogo da existência é este: nivelar as rugas no rosto
e deixar a sede retida na pele.
- Não há repasto para a fome do existir.
Este chão é limo
- há um colchão de avencas para se deitar
o cansaço do corpo malogrado em sonhos.
A paisagem é esta que te entrego trêmulo:
um alfarrábio para guardar silêncios
e duas estrelas para o teu vestido de rendas.
Teu rosto vem da neblina e rompe a distância:
adormeces em mim, em mim habitas
entre as lãs que nascem para o inverno das mãos.
Fica um perfume de orvalho quando te ausentas.
Um pássaro invisível bate as asas quando chegas.
O teu convívio consente essa alegria sem culpas.
Não posso me enganar, nem mentir posso:
Que palavra vou te oferecer
se tua presença toma conta de meus olhos?